Recensão Crítica ao livro Diversidade Cultural na Escola - Encontros e Desencontros, Maria do Carmo Vieira da Silva, publicado em 2008, Edições Colibri, Colecção Pedagogia e Educação
A dominação do homem pelo homem sempre foi e será conflituosa. A história universal sempre registou combates de grande envergadura por esta tendência de domar seres iguais.
Cita-se por exemplo, o fim do processo do tráfico de escravos, as guerras mundiais, os conflitos inter e intra étnicos, as rivalidades cibernéticas, a criação de organizações universais, como um cenários da permanente inquietude do homem face às dificuldades criadas pelo homem para o outro homem.
Hoje, volvidos milhares e milhares de anos, é consabido que a igualdade universal do homem é utópica e ainda está distante de ser alcançada, “ se calhar só na próxima encarnação” o será, como se usa dizer-se.
“Deus por todos e cada um por si”, ainda tem sido a máxima popular usada em muitos contextos nos nossos dias. Assim cada um dentro das suas possibilidades e limitações procura dar o melhor de si para viver neste mundo.
Com efeito, enquanto uns lutam pela economia e política, outros lutam pela ciência, escola, e pela educação multicultural. Tal é o caso da Professora Doutora Maria do Carmo Vieira da Silva, com o seu livro Diversidade Cultural na Escola – Encontros e Desencontros.
Publicado em Março de 2008, é uma tese de doutoramento em Ciências da Educação, defendida em 2003 na Universidade de Lisboa.
O livro está dividido em duas partes: uma parte em que a autora faz uma revisão a bibliografia especializada, sobretudo a da Psicologia Social, e outra parte, em que apresenta os resultados do estudo empírico, consubstanciados na recolha, selecção e análise dos dados. Esta parte contém ainda as sínteses, a discussão dos resultados com as respectivas conclusões, a conclusão geral acompanhada da abordagem dos problemas levantados pela investigação, e por fim a bibliografia.
Estatisticamente o livro possui um total de 225 páginas, 6 capítulos, 24 subcapítulos, 19 temas, 5 subtemas na primeira parte.
A segunda parte compõe-se de 6 estudos + 1 complementar, organizados em duas partes compostas por; introdução e discussão dos resultados, com excepção do IIIº estudo, que junta, uma terceira parte, que autora chama de Estudo Complementar. 13 páginas de bibliografia encerram o livro.
O conteúdo da obra é sugestivo e contemporâneo para as Ciências Sociais em geral, e para a área da Educação em particular, sobretudo no que respeita, a educação num contexto da escola multicultural.
Sugestivo, porque fala do problema da educação multicultural em Portugal, e avança, com sugestões interessantes e inovadoras, se implementadas e cumpridas.
A contemporaneidade do assunto reside também em constituir, mais um passo, para a prossecução de outros estudos na europa e não só, mas também, em outras realidades multiculturais, como a dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, especificamente o caso de Angola, país com similitudes multiculturais com Portugal no que toca a cultura e a língua.
A actualidade do assunto é ainda mais pertinente para nós, na qualidade de professores nos nossos países, e agora como mestrandos, em ensino da língua portuguesa como segunda e estrangeira. Pois seguramente, no caso particular de Angola já lidamos com casos de educação multicultural nas escolas e salas de salas, cuja resposta, ao problema, não foi das melhores dado ao pouco conhecimento em lidar com problemática do género, daí a nossa frequência ao Curso.
É fundamental ainda porque, explicita de forma profunda e sucinta as concepções actuais que se devem ter em conta ao ensinarmos em situações de uma escola multicultural com minorias étnicas. Pois, entendemos que, se ensinarmos sem esses conhecimentos prévios, poderemos cegar ou comportar-se de forma estigmática e estereotipada com os nossos alunos de minorias étnicas.
A vasta experiência na formação de professores e o saber acumulado em conferências nacionais e internacionais, de que autora participa regularmente por iniciativa privada, conferiram sem dúvida, um subsídio importante ao seu trabalho.
Assim, o multiculturalismo e as suas nuances são tratados com profundidade (Silva, 2008 p.15-17): desde os meandros da história, aos dos direitos civis, ao do carácter pedagógico/didáctico, este último, constituindo assim, a linha de força da obra, com propostas concretas, a questão como os professores, deverão valorizar os alunos negros e de etnia cigana, ajudando-os e preparando-os para uma verdadeira cidadania intercultural em Portugal (Silva, 2008 p.13).
A resposta a esta questão científica, cupulada a inquietude primária de saber, se realmente existia essa descriminação aos alunos negros, e de etnia cigana nas escolas portuguesas do Iº ciclo, levou a autora, a revisar a bibliografia especializada e a realizar um estudo empírico, com recurso a entrevista, teste sociométrico e auscultação aos professores, alunos, encarregados de educação e auxiliares de educação social do contexto escolar multicultural do Bairro Bela Vista em Setúbal.
O estudo empírico desenvolvido pela autora baseou-se nos temas; eu e outro: análise da auto e hetero - imagem de um grupo de professores; O «jogo» da aceitação e da rejeição: estereótipos, comportamentos e escolhas interpessoais e intergrupais, temáticas articuladas em resposta ao desassossego levantado pela questão/problema da investigação supracitada em negrito.
De facto, o multiculturalismo é um fenómeno complexo resultante da confluência de inúmeros factores, como por exemplo; económicos, políticos, sociais, ideológicos, etc.
Este fenómeno histórico, origina múltiplas consequências nos países de recepção, entre as quais, o choque entre culturas (encontros e desencontros), a discriminação, a desigualdade, a opressão, com repercussões na educação das minorias étnicas, assunto que domina vastas páginas do livro.
Do estudo feito, concluiu-se que em Portugal, as minorias étnicas de origem africana e cigana nas classes multiculturais do Iº ciclo do ensino primário sofrem, efectivamente na “carne e no espírito”, o estigma da discriminação étnica a vários níveis e contextos.
O problema arrasta-se no tempo, e resiste as múltiplas políticas de mitigação do fenómeno, quer traçadas e orientadas pelo ministério da educação português, como por outras instituições nacionais e internacionais, como a União Europeia, grémio que Portugal é membro efectivo desde 1986.
Com efeito, a autora prova, recorrendo a vários estudiosos, que o problema da discriminação às minorias na escola e na sociedade, é de natureza histórica, sociológica, psicológica e até extensiva, e não apenas um caso particular de Portugal.
Neste contexto, países como os Estados Unidos da América (Silva, 2008 p.22), Espanha (Silva, 2008 p.190), dois dos vários exemplos citados no livro, registam também problemas do género, apesar das políticas gizadas pelos governos e parceiros sociais locais e internacionais.
Visto assim, à visão da obra, ficamos com a ideia de que a questão em voga é um processo social complexo e generalizado.
Confrontados com esta situação complexa, os governos (re)criam e (re)aplicam estratégias diferenciadas de educação multicultural, assentadas no conceito de que ela deva garantir, o direito escolar a todos, independentemente da cultura, etnia, sexo, religião, etc.
Assim por exemplo, em países como os Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, Manchester e grande parte dos com número elevado de grupos étnicos minoritários, registou-se três modelos de lidar com o fenómeno das minorias étnicas, que no âmbito deste Trabalho, adoptamos designar, atitudes :
Atitude assimilacionista aplicou-se nos anos 60 do século XX e consistia em forçar as minorias a abandonarem as suas culturas e a adoptarem a cultura maioritária.
Atitude integracionista visou promover a unidade na diversidade, por meio da coexistência e equilíbrio entre as culturas minoritárias, oferecendo-lhes o melhor da cultura dominante.
Atitude de pluralidade cultural é a fase que prevalece até aos nossos dias, e considera cada grupo étnico, como possuidor de uma oportunidade para desenvolver e conservar a sua cultura, numa sociedade mais ampla, desempenhando nela um papel de pleno direito.
As atitudes enunciadas foram sendo aplicadas cada uma não em períodos iguais mas, cada governo a aplicava, de acordo com o seu sistema político, interesses económicos e ideológicos.
Nos EUA, país pioneiro do movimento das minorias étnicas negras, a autora relata que a manifestação não se esbarrou apenas a luta pela aquisição e desfrute dos direitos políticos, mas também, pelos civis, entre os quais o acesso a educação escolar das minorias étnicas discriminadas.
Destas reivindicações, nasce o conceito de educação/escola multicultural definido como àquela educação, que oferece em igualdade de direitos e deveres, o acesso a escola, a todos, independentemente da etnia, sexo, classe social, religião e cultura.
O máximo dos objectivos deste tipo de escola é a mudança social de acordo com Bank citado pela autora (Silva, 2008p.34).
O alcance deste macro objectivo, passa pela concepção, adopção e aplicabilidade de conteúdos atinentes à integração, ao processo de reconstrução do conhecimento, a redução do preconceito, a pedagogia para a equidade e o fortalecimento da cultura escolar e da estrutura social. (p.34), devendo a isso, aliar-se, o papel decisivo do professor, a cooperação indispensável dos pais, encarregados de educação e de outros actores sociais directa ou indirectamente interligados à escola.
Para Portugal o estudo confirmou a existência in loco da discriminação das minorias étnicas de origem africana e cigana nas escolas multiculturais do Iº ciclo, tal como já referi atrás, porém, importa referir o aspecto relativo a tendência do “mal” tornar-se cíclico, numa escala dual e depois geral: os pais passam para os filhos, os professores aos alunos, os professores aos encarregados negros e ciganos e alunos brancos para alunos negros e ciganos.
Com efeito, entendemos que esse ciclo, não será quebrado de maneira natural ou mágica, mas exigirá de cada membro integrante da maioria étnica, uma atitude interior de mudança e de querer fazer a diferença no colectivo.
Para o contexto escolar, reforçamos que seguramente o papel do professor é fundamental para a mudança da presente e futura geração.
Como pedra basilar deste processo, o docente deve ser capacitado em matéria de escola inclusiva / multicultural e supervisionado na prática para averiguar a sua aplicabilidade no terreno.
Esta tarefa afigura-se urgente e ingente, já que o inquérito deixou a nu as questões antes utópicas com conclusões surpreendentes como: a existência de professores já profissionalizados que atribuem a causa do insucesso escolar às causas extrínsecas à escola; inexistência de professores capacitados para trabalhar com alunos de origem cigana e africana e com elevada aberração abrangendo os alunos universitário da licenciatura em ciências da educação e da Formação Inicial de Professores. (p. 190)
Para a mudança, “ uma tal reflexão apresenta-se incontestavelmente pertinente e necessária, mas corre o risco de se tornar de difícil aplicação, se não existir disponibilidade interior, boas relações pessoais, clima de à vontade, formação e vontade de aderir a mudança” acrescenta a autora. (p.194)
Nesta panorâmica, o papel do professor é insubstituível, a par de outras componentes que conformam a educação multicultural. Assim, “o docente deve ser dotado de conhecimentos e competências aplicáveis ao contexto da escola multicultural: consciência dos problemas, aceitação dos conhecimentos básicos sobre diversidade cultural, desigualdade e implicações no ensino; afirmação de que estão desenvolvendo novas competências de ensino” (p.199), conceitos assentados na vontade pessoal de promover a mudança, na efectivação do ensino circunscrito, nos ideais da escola multicultural.
Neste diapasão, Portugal dispõe de projectos como a ACIDI e outros, que se desdobram na temática das minorias étnicas, defendendo e promovendo a redução do estigma da discriminação. Porém não basta, deve sim, haver uma consciencialização dos actores de ensino que começa pela sua formação em matéria de multiculturalismos e escolas inclusivas.
Com experiência na formação de professores, a autora da obra, reconhece, nas conclusões, haver ainda, a necessidade de dotar de conhecimentos os agentes de ensino para responderem as exigências da sociedade actual, e para o papel da escola em ser uma instituição de, e para todos, no que respeita aos direitos culturais e realizar por fim, o célebre I have a dream de Martin Luther King que a autora usa no termino da parte introdutória do livro.
Portanto acção para a mudança precisa-se. Precisa-se também referir que, ao longo desta recensão, verificamos alguns erros/gralhas de formação consubstanciados na disposição das barras oblíquas, nas páginas 185 (aluno/professor) e 187 (espaço fechado /espaço aberto) e outros do género, que pensamos ser de menor montra.
De maior montra parece-nos já, a questão do erro ortográfico ou uso pouco esclarecedor do verbo (apagar-se) ao invés de apegar-se, na frase “ Trata-se de um trabalho que parece não reconhecer a importância do diálogo pedagógico como o encontro de indivíduos que se ouvem, que sabem apagar-se no momento preciso, ou intervirem para dar o seu contributo… (Silva 2008: 189). Este vocábulo, apagar-se, dá-nos mais a ideia de apegaram-se no sentido de apoio, interajuda e não apagam-se, no sentido de extermínio ou extinção de fogo.
O mesmo aspecto mas com mais, realce de todos, encontramo-lo na página 198 na frase “ … em todos os níveis de educação, de modo a incrementar consciência e respeito pelos conteúdos simbólicos e emocionais, amplamente desvalorizados e mesmo suprimidos e muitos culturas”. Sugerimos assim que ao invés de muitos culturas seja muitas culturas para não haver discordância do género.
Concluímos ainda este trabalho, sugerindo que se faça maior divulgação dos conteúdos do livro, sob diversas formas quer através da imprensa numa versão digital disponível na Internet, quer realizando debates radiofónicos e televisivos. Faça-se ainda de forma mais académicas a realização de colóquios e jornadas científicas sobre o assunto, pois a questão do multiculturalismo é universal.