Programa da 7ª classe: análise crítica
3.1 A oralidade
A comunicação oral é inata ao ser humano. Ela é uma
actividade intersubjectiva regida por padrões sociais, e desenvolve-se ao longo
de toda a vida.
Não obstante isto, a
tradição escolar sempre privilegiou no seu programa de língua o ensino da
escrita, e quando se tratava da oralidade, era meramente para exprimir pela voz
o que se entendeu da análise e compreensão de um texto escrito.
Essa abordagem primária da oralidade foi ultrapassada
muito recentemente com o avanço dos estudos sociolinguísticos (Daro, 2006:1),
com a consideração de que ela deve ser entendida hoje como
uma prática social interactiva para fins comunicativos
que se apresenta sob várias formas ou
géneros textuais fundados na realidade sonora: ela vai desde uma realização
mais informal a mais formal nos vários contextos de uso[1].
Como prática
social a língua é maleável às situações contextuais de comunicação (Castilho, 1998:11), uma perspectiva que exige ao
locutor a adequação discursiva oral a objectivos, públicos e outras variáveis interactivas.
Bakhtin também deu um valioso contributo a esta
perspectiva ao considerar a prática discursiva oral como reflexo dos diversos
géneros discursivos presentes na sociedade com a sugestão de que o seu ensino
deva ser feito em ambiente intra e extra-escolar.
Nós também alinhamos nesta perspectiva, por promover a formação
de potenciais comunicadores, cônscios das implicações que o seu discurso acarreta.
Compreendemos,
igualmente, que ensinar aos alunos as regras a partir de situações reais far-lhes-á
possuir uma consciência implícita ou explícita da oralidade, factor essencial para a aprendizagem, domínio consciente e
reflexivo de uma Língua Segunda (LS).
Do que acima fica explícito, deduz-se que ensinar
a oralidade em LS sugere hoje levar o aluno a produzir enunciados orais em contextos
socioculturais diversificados com auxílio a recursos cenestésicos, prosódicos e
outros, de modo a alcançar a competência comunicativa[2] oral.
Levar o aluno a conhecer o papel, o lugar e o grau de
relevância que exerce a oralidade como uma prática social torna ainda mais o seu ensino
significativo e pragmático, uma visão partilhada igualmente por Stephen Krashen
na sua comprehensible input hypothesis, em que
sustenta que a assimilação de línguas segundas ocorre em situações reais de
comunicação, colocando ênfase no contexto, para ligar a escola ao mundo, como
meio de promover uma aprendizagem holística.
Em Angola, o PPLS da 7ª classe, coaduna-se
teoricamente com este pressuposto e presta-se a levar o aluno a compreender enunciados orais [...] através da informação captada[3] fora e dentro do
ambiente escolar em contextos reais e diversificados de comunicação oral.
Para o alcance desta meta, o mesmo apresenta cinco
tipologias textuais com objectivos, metodologias, estratégias e dá alguns
exemplos para a sua execução na aula.
Veremos como é feita essa articulação do Programa, reforçando
antes a convicção da presença dos conhecimentos prévios nos discentes no
domínio da oralidade, como é óbvio, adquiridos nas classes anteriores, e ainda
o referente, dado que o português de Angola se
realiza sob uma base oral muito forte, sob uma influência das línguas maternas
Bantu, na sua maioria ainda sem materiais de
descrição e análise e que conserva a tradição oral por séculos.
Partimos assim para a abordagem das propostas do
Programa, conhecedores desse potencial, mesclado com as inúmeras interferências nascida da
mixagem entre o português de Portugal e as línguas locais, duelo que dita à
partida a complexidade do ensino da oralidade em Angola.
Ora observemos
e analisemos então o quadro a seguir baseado no PPLS da 7ª classe.
Quadro 2: A oralidade
no PPLS 7ª classe Reforma Educativa Angola
Tipo de texto
|
Objectivo
|
Metodologia
|
Estratégia
|
Exemplo
|
Narrativo
|
Consolidar a integração do texto
narrativo nos domínios do oral.
|
Participativa
Expositiva
|
- Resumo oral
- Dramatização
- Relatos pessoais
|
O quê?; Como?; Porquê?
|
Descritivo
|
Distinguir e integrar a descrição
nas várias situações de comunicação orais.
|
Ibidem
|
- Descrição oral de ambientes e
espaços físicos e pessoas.
|
Sala de aula, recreio, quarto de
dormir, casa, etc.
|
Injuntivo
|
Não definido.
|
---------
|
---------
|
---------
|
Informativo
|
Consolidar a integração do texto
informativo no domínio do oral.
|
Participativa
Expositiva
|
Não sugerida
|
Não sugerido
|
Poético
|
Recitar textos memorizados.
|
Ibidem
|
- Declamação e recitais.
- Debate sobre o significado das
mensagens das poesias.
|
Escolher os poetas que serão
recitados, lidos ou dramatizados.
|
Da análise deste quadro notamos a preocupação
do Programa de Português Lingua Segunda (PPLS) em proporcionar aos alunos da 7ª classe um ensino e aprendizagem da
oralidade a partir de textos narrativos, descritivos, informativos e poéticos
de forma significativa e pragmática.
Assim, através do método participativo, os discentes
realizam actividades pedagógicas orais como: resumos, relatos, dramatização, debates,
conversas informais, entre outras. Tal processo é um continuum didáctico operacionalizado em
conjunto com o método expositivo usado para ditar a matéria.
Porém, verificamos que o PPLS apresenta poucos
exercícios destas operações didácticas, o que pode dificultar o trabalho ao professor novo e inexperiente por um
lado, e facilitar a criatividade e liberdade
do professor experiente e mais dotado por outro.
O PPLS não trabalha a oralidade no texto injuntivo e
não aponta nenhuma estratégia e exemplo no texto informativo.
Essas omissões injustificadas limitam e fragilizam o
papel sociointeractivo da oralidade e a inserção sociolinguística e cultural do
aluno da 7ª classe, ainda em idade adolescente, pois aprender a fazer um
pedido, a dar instruções, a desculpar-se, a
dar conselhos, a cumprir e a dar ordens, e outras finalidades do texto
injuntivo, pensamos ser fundamental na educação moral, cívica e comunicativa, enfim,
holística, para o aluno ainda em tenra idade.
Da análise constatamos ainda que o PPLS em nenhum momento
se refere a interacção interdisciplinar no processo de ensino da oralidade, o
que podemos considerar uma falta, porque os alunos não só usam a fala em
questões de língua portuguesa como disciplina, mas realizam igualmente outras
tarefas que os obrigam a usar a oralidade, como operações
matemáticas, questões do meio ambiente, da química, da física, entre outras hipóteses, e
seguramente necessitarão aprender a usar palavras adequadas a esses contextos
de comunicação.
O uso da didáctica preventiva, num primeiro momento, e
correctiva noutro, resultaria em vantagens na aprendizagem da oralidade, face às
inúmeras interferências das línguas indígenas no português falado em Angola, o
que não é aludido no PPLS da 7ªclasse.
Contrastar os dois sistemas linguísticos
também é outro recurso didáctico a ter em conta, partindo sempre dos
conhecimentos prévios e explícitos dos alunos na língua materna, fazendo um transfer quando possível para o Português.
Nos casos em que haja mesmo a inexistência do
som ou a adição de um outro som, como acontece no caso da vogal epentética colocada
entre duas consoantes, à guisa de exemplo: [peneu]; [pigimeu]; [ritimu], sugerimos uma correcção numa base
colaborativa.
Sobre esse pormenor, não avançamos com mais
exemplos do género pela essência do nosso Trabalho, mas recomendamos a consulta de autores que tratam profundamente o
assunto: Cabral, V. (2005); Endrushat, A. (1990); Fernandes, J; Zavoni, N. (2002); Gartner, E. (1989);
Marques, I. G. (1990); Mendes, B.C. (1985); Mingas, A. (1998); Mira, M.H. (2002)
entre outros.
Pensamos portanto
que urge assim melhorar a imbricação entre estratégias de aprendizagem, de
comunicação e de produção na aquisição de LS no campo da oralidade na 7ª
classe.
[1] MARCUSCHI, L.A.
(2001: 21) Gêneros textuais e ensino.
Lacena, Rio de Janeiro.
[2] É o conhecimento abstracto subjacente
e a habilidade de uso não só de regras gramaticais (explícitas ou implícitas)
como também de regras contextuais ou pragmáticas (explícitas ou implícitas) na
criação de discurso apropriado, coeso e coerente. Permite ao indivíduo agir
utilizando especificamente meios linguísticos e compreende diferentes
componentes: linguística, sociolinguística e pragmática. Cada uma destas
componentes é postulada de forma a compreender o conhecimento declarativo, as
capacidades e a competência de realização. (Almeida
Filho: 1999; Hymes:1979; QECR, 2001).
[3] INIDE (2005:6-32) Programa de Língua Portuguesa do 1º Ciclo do
Ensino Secundário. Luanda.
Bibliografia
CASTILHO, A.
T. de. (1998) A Língua Falada no Ensino do
Português. Editora Contexto, São Paulo.
DAROS, Sônia C.P (2006) Oralidade:
Uma Perspectiva de Ensino. (Dissertação de Mestrado Universidade de São
Paulo) Piracicaba, São Paulo.
FERNANDES, João; NTONDO, Zavoni. (2002) Angola:
Povos e Línguas. Editorial Nzila, Luanda.
FILHO, Almeida. (1999) A Abordagem Orientadora da Ação do Professor. Pontes, Campinas.
INIDE -
(2005) Programa de Língua Portuguesa do
Iº Ciclo do Ensino Secundário, Reforma Educativa. Luanda, Angola.
_______
(2005) Manual de Apoio ao Sistema de Avaliação das Aprendizagens para o IIº Ciclo do
Ensino Secundário Geral da Reforma Educativa. Luanda, Angola
MARCUSCHI, L.A.
(2001) Gêneros Textuais e Ensino. Lucena, Rio de Janeiro.
MARQUES, I.
Guerra. (1990) Algumas Considerações sobre
a Problemática Linguística em Angola. Instituto de Cultura e Língua
Portuguesa. Lisboa.
MENDES,
Beatriz Correia. (1985) Contributo para o Estudo da Língua
Portuguesa em Angola. Instituto de Linguística da Faculdade de Letras de
Lisboa. Lisboa.
MESQUITA,
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Portuguesa 7.ª Classe. Texto Editores. Luanda.
MINGAS,
Amélia A. (1998). Interferência do Kimbundu no Português Falado em Luanda.
Porto: Campo das Letras. 2002. Ensino
da Língua Portuguesa no Contexto Angola. In Mira Mateus. Colibri, Lisboa.
MIRA M. M
Helena (ed.). (2002) Uma Política de Língua para o Português. Colibri.
Lisboa.