UM CONCEITO ECLÉCTICO
Nenhum
povo do mundo é igual ao outro. Cada um tem à sua trajetória traçada ao longo
do tempo. Nisto forjaram-se às identidades, que para Barbosa
(2003:267)
O conceito de identidade pressupõe
uma corrente selectiva
que não abrange completamente a variedade e diversidade
de uma determinada pessoa, sociedade ou nação.
Kola Jean-François ( 2005) não escondeu à
dificuldade em discutir o conceito e, preferiu dividi-lo em múltiplas
abordagens e, sob o ponto de vista de Alex Mucchieli, fragmentando-o em: l'approche psychologique; sociologique; psycho-sociologique;
anthropologique; philosophique e por
fim, l'approche
littérairet.
Ao
fim de largas páginas Kola não passa dos limites da noção de alteridade
do conceito de identidade. O
"eu" individual e "outro". O "nosso" particular e
"deles" sendo que, para várias abordagens, as particularidades
prendem-se com os campos de estudo disciplinar.
Ainda assim, em certa ocasião Kola (p.40)
reforça a ideia de Alex Mucchieli quando diz que
L’identité est un ensemble de significations (variables
selon les auteurs d’une situation) apposées par des acteurs sur une réalité
physique et subjective, plus ou moins floue de leurs mondes vécus ensemble
constitué par un autre acteur. C’est donc un sens perçu donné par chaque acteur
au sujet de lui-même ou d’autres acteurs.
A descoberta do si, não é uma tarefa desfazada do passado, antes
procurará dialogar com às raízes para possuir o seu carácter. Por isso, Paul
Ricouer[1]
(1991: 139) afirma que é pela
escala de uma vida inteira que o si procura a identidade[2].
A descoberta do si é uma tarefa que envolve pelo menos uma questão
fundamental: quem sou?
Para o caso da angolanidade, a resposta obrigará, antes de tudo, a
formulação de mais duas questões:
Quem
fomos? e para onde vamos ou queremos ir?
A
angolanidade é muitas vezes definida e enquadrada na linha ideológica da
negritude, da africanidade que obviamente, lhe serviram de substrato para uma
auto – definição/identificação.
Começou
por ser um critério de nacionalidade, mais tarde de pertença à nação e de
confirmação da sua existência. É um fenómeno social, cultural totalizante e
normativo que se manifesta também na criação literária de Angola. (Santili, 2003;
Mata, 2012; Venâncio, 1987)
A angolanidade assume um protagonismo decisivo no processo de
formação da identidade nacional pois,
[…]começara
por ser um critério de nacionalidade, passou a critério de pertença à nação e,
portanto, de confirmação da sua existência. (p.58) […] esta foi pensada
– e supõe-se que ainda o seja – para além das diferenças de natureza classista,
rácica, étnica ou regional e foi propulsor de uma identidade concebida como
resultado de mudanças originadas pelo poder colonial – porém, mudanças
originadas no espaço urbano.[3]
(p. 61)
Ainda assim, segundo Pepetela (1992: 99) a angolanidade é um conceito
abstracto que ninguém sabe muito bem o que é, pelo que rebate:
No fundo não
conseguimos até hoje teorizar, definir o que é isso de angolanidade. Isto
embora esteja patente na obra dos escritores angolanos, claro. Creio que é um
conceito que se vai procurar ainda durante muito tempo.
As diversas interpretações sobre o conceito de angolanidade tem
demonstrado a sua instabilidade, mobilidade e evolução. Em cada época ela
serviu para designar e particularizar as características da identidade de
Angola.
Assim entre muitas possibildades, podemos falar em uma
angolanidade sociológica; antropológica; literária; política e cultural. Cada
uma será definida de acordo com o campo disciplinar do lexema que o junta.
Um dos autores actuais
que mais se tem batido sobre essa questão é Luís Kandjimbo, (1997) para quem, a angolanidade trata-se de uma categoria de
expressão nuclear de manifestações culturais angolanas, encontrando-se por ela,
recobertas as práticas literárias orais e escritas.
Sendo a angolidade um
conceito polimórfico na sua natureza e interpretação, congrega um conjunto de
manifestações que transcendem os limites de uma interpretação baseada somente em conhecimentos diacrónico e
sincrónico da história de Angola.
Na abordagem deste écletico conceito, Luis
Kandjimbo entende também, que a angolanidade
congloba
não só os resultados das estratégias de enunciação literária em língua
portuguesa, mas de igual modo o sistema semiótico da oralidade, onde imperam
outros códigos, nomeadamente paralinguísticos, cinésicos, proxémicos, lúdicos,
etc. Donde se escoram as preocupações epistemológicas em fornecer uma definição
instrumental da literatura angolana[4].
O eclecticismo do conceito de angolanidade reside no facto de ser
definida e entendida sob o ponto de vista diacrónico e sincrónio e em várias
vertentes.
Assim, podemos falar em uma angolanidade pré-independência;
histórica, sociológica, literária e política.
[2] Nesta proposição, o
autor fala da mesmidade e da ipseidade e
procura definir ambos conceitos. A identidade como mesmidade é o idem. É um
conceito de relação. Não existe sozinha. Se – e somente se – vinculada no/ao
tempo é que pode ser avaliada. A identidade como ipeseidade é individual e
única. Apesar de as duas remeterem à semelhança, ainda que de maneiras
diferentes, a ipseidade não é a mesmidade e vice-versa. Só o tempo às distingue no seu dialogismo com
o espaço; em que as mudanças ameaçam; o tempo apaga,
mas nenhum dos dois desfaz o ipse do sujeito e
o que permanece são fragmentos de relações entre ocorrências a respeito
de um mesmo sujeito.
Para o autor (1991:140) a literatura é um vasto laboratório onde são
testadas estimações, avaliações, julgamentos de aprovação e de condenação pelos
quais a narrativa serve de propedêutica à ética. Assim a literatura – e a
narrativa literária – são laboratórios, ou seja, corresponde a espaço para
testes do si em relação ao outro e, por isso, enquanto espaço/ tempo para a
constituição/construção da(s) identidade(s).
[3] Inocência Mata
(2012:58-61) Ficção e história na
literatura angolana. O caso de Pepetela. Edições Colibri. Lisboa
[4]Luís Kandjimbo (1997 ) Apologia de Kalitangi. Ensaio e Crítica
Instituto Nacional do Livro e do Disco. Luanda, Angola.
BIBLIOGRAFIA
FRANÇOIS, Jean Kola ( 2005) Identité et institution de la
littérature en Côte d. Ivoire. Université de Limoges. Côte d.
Ivoire.
MATA, Inocência ( 1992) Pelos Trilhos da Literatura Africana em
Língua Portuguesa. Pontevedra - Braga, Cadernos do Povo / Ensaio.
MUCCHIELI, Alex (1986) L.identité. Paris, PUF.
KANDJIMBO,
Luís (1997 ) Apologia de Kalitangi.
Ensaio e Crítica Instituto Nacional do Livro e do Disco. Luanda, Angola.
RICOUER, Paul (1991 ) O si-mesmo como um
outro . Trad. Luci Moreira Cesar. Campinas: Papirus.
VENÂNCIO, José Carlos
(2000) O Facto Africano, Elementos para
uma Sociologia de África. Fundação Joaquim Nabuco